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segunda-feira, 2 de maio de 2011

http://eBook Boto Cor De Rosa







                                  
                                                    Primo Moreschi










                                  Boto cor de Rosa
            O Encantador das Virgens do Amazonas


















         Copyright by © - 2008 - Primo Moreschi

Todos os direitos reservado

Impresso no Brasil

Deposito legar na Biblioteca Nacional

Editora Oeste

Rua  Spipe Calarge, 1538
Bairro Jardim Morumbi
79051 – 560 – Campo Grande – MS
Telefone: 67 3301 9010

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Moreschi Primo
M845p       O Protagonista Oculto dos Anos 60/ Primo Moreschi –
Campo Grande, MS : Ed.Oeste, 2008
302 p. : Il, ; 23 cm

ISBN: 978-85-88523-52-4
                    Moreschi, Primo. 2. Autobiografia – Músicos. 3.I. Titulo.  CDD (22) 780.92










                 Primo Moreschi






                                  Boto Cor de Rosa
                  O Encantador das Virgens do Amazonas

                    


                                             Campo Grande
                                                    2008 
   

                                                 Editora
                                           Oeste





                     

Folhas Soltas do Livro
O
Protagonista Oculto
Dos Anos
60

Projeto Gráfico
Primo Moreschi

Editoração
PM Comunicação

Revisão do texto
Magda Tebcharani

Capa
Primo Moreschi

Produtor
Israel Campanha




Proibido qualquer forma de reprodução sem a permissão do autor/Editora, seja por meio eletrônico, mecânico ou de fotocópia, sob pena de processos, conforme o disposto na Lei n° 5.988 de 14 de dezembro de 1973.





                Sumário

Prefacio............................................................,,,,,, .07
Agradecimentos.......................................................09
Apresentação............................................................15
Capitulo I – A primeira infância..............................17
Capitulo II – Vida de Órfão.....................................21
Capitulo III – Vida de pensionista...........................29
Capitulo IV – Desenho – profissão e arte................41
Capitulo V – Nasce o artista....................................65
Capitulo VI – O caminho do auge...........................81
Capitulo VII – A luta e o punhal pelas costas.........95
Capitulo VIII – No hospital - o começo do fim.....105
Capitulo IX – Preparando a volta..........................113
Capitulo X – Retorno a batalha.............................121
Capitulo XI – Tons e Megatons – o sucesso.........133
Capitulo XII – Depois da vingança, a retirada.....165
Capitulo XIII – Fotografia, espiritualidade,amor. 171
Capitulo XIV – A grande aventura na selva.........187
Capitulo XV – Parênteses – pausa para reflexão..229
Capitulo XVI – A sorte e o casamento.................247
Capitulo XVII – Convite para uma nova vida......259
Capitulo XVIII – Vida de marceneiro..................267
Capitulo XIX – Rinha de galo e briga de gente....275
Capitulo XX – Parêntese II – reflexão nunca é demais..285
Capitulo XXI – Solidariedade, gratidão e caldo de galinha
Não fazem mal a ninguém..............................................293

O sumário acima é integrante do livro “O Protagonista Oculto dos Anos 60”, do qual foram extraídas as folhas soltas constante neste “EBOOK” denominado “Boto Cor de Rosa” – O Encantador das Jovens do Amazonas.






                                                            Prefácio


Reportar neste “ebook” histórias e acontecimentos marcantes que deram origem as “Folhas Soltas” extraídas do livro “O Protagonista Oculto dos Anos 60”? Revelam a preocupação e o desejo inconfessado de proporcionar ao leitor um pouco das venturas e desventuras passadas pelo escritor, o qual, a despeito de não se considerar nenhuma sumidade na arte da comunicação literária, reportou neste ebook, pequenos mais significativos textos, mesclando bucólico e lenda interagindo com a realidade. A oportunidade de ler amiúde, trechos pinçados aleatoriamente de seu livro de memórias, denuncia providencias impeditivas que deixaram de ser tomadas, permanecendo até os dias atuais como se nada fossem. Algumas nuances bucólicas contrastam com a verdadeira razão de este livro existir.

                                              Israel Campanha
                                 Economista, amigo do autor











                                                         Agradecimentos  


Por questão de ética, não repetirei neste ebook, os nomes que fiz constar no livro que deu origem a estas folhas soltas. Não pretendo diminuir o valor inquestionável de quem me obsequiou ao longo de minha existência, nem que tenha sido com o menor dos favores. Portanto, reconheço e exalto minha profunda gratidão a todos.” Terei sido realmente merecedor?...  
“Se assim faço, é por questão de ética e respeito pelo pouco espaço que acredito deva ser respeitado; por tratar-se de um pequeno ebook, sem necessidade, portanto, de reproduzir o livro de “origem”, em sua totalidade”. Assim penso.
                                  



                                                         Primo Moreschi




                            
                                                  APRESENTAÇÃO


             Nem defunto autor nem autor defunto, felizmente, tampouco com a pretensão de fazer-me de grande escritor, sempre tive em mente, no entanto, num momento em que estivesse inspirado, de cabeça fresca, escrever um livro. Em síntese, algumas nuances de minha infância, adolescência e juventude, ricas que foram de fatos pitorescos e situações inusitadas que merecem um relato simples, de alguém que viveu e encarou a vida da maneira como esta lhe foi apresentada. Narrando minhas venturas e desventuras – que não foram poucas – confronto essas experiências com afirmações de certos “donos da verdade”, que vivem parafraseando ensinamentos para justificar determinado comportamento de crianças e adolescentes. Enfim, um depoimento de quem, mesmo com dificuldades, soube tirar dos obstáculos o próprio modo de superá-los, fazendo cair por terra certas teorias “modernas” sobre como os acontecimentos influenciam o caminho e as escolhas dos jovens.





Capitulo XlV

             A Grande Aventura na Selva 
                                 eo
         “Boto Cor de Rosa”                          


Assim que chegamos em Porto Velho, após cansativa viagem iniciada  em São Paulo SP,, (numa caminhonete veraneio)? Nós estávamos completamente desfigurados. As picadas de pernilongo, comumente chamado naquela  região de “carapanã”, acrescida de outras picadas de borrachudos e outro inseto denominado peun, que outro não é senão o famigerado polvorazinha (porvinha)? - Encontrado em beira de rios e regiões litorâneas - nossas fisionomias estavam completamente desfiguradas. Ao me olhar no espelho, meu rosto parecia o de um lutador de Box, que havia apanhado doze assaltos de uma luta. Portanto,  não via a  hora de entrar no banheiro do hotel e ficar embaixo do chuveiro um bom tempo para me refazer um pouco daquela estafante viagem. Já estava até fazendo plano de cair numa cama após o banho e só acordar no outro dia lá pelas 14 horas,  quando o Comendador Morgado anunciou alto e bom som, que iríamos sair no dia seguinte bem cedinho (no cagar dos patos) pegar um barco (barcaça) e encarar mais uns cinco dias de barco até chegar em Manaus no AM,azonas.Não fiz nenhuma objeção, afinal eu estava lá para o que desse e viesse. (parafraseando os políticos que dizem ser um soldado de seu partido?) eu era um soldado do Comendador. Morgado. Estranhei apenas o fato de seguirmos viagem através de barco.  Mas não demonstrei e encarei tudo com naturalidade.
Pela manhã do dia seguinte, encaminhamo-nos em direção ao porto. A embarcação em que viajaríamos estava atracada. Subia tanta gente nesse barco, que eu estava ficando preocupado se sobraria lugar para nós todos, mas o secretário do comendador Morgado disse que havia dois camarotes reservados para nós – menos mal. Chegada nossa vez de embarcar, notei a falta de nosso mecânico. Como no dia anterior, cansado que eu estava, fui dormir mais cedo, perdi o bonde da história: Alemão não seguiria conosco. Seu estado de saúde inspirava cuidados, pois ele estava com sintomas de maleita ou coisa parecida. Já o haviam levado para fazer os exames necessários no hospital da cidade. Como se comprovou não ser nada sério, eles combinaram que o mecânico voltaria de Porto Velho para São Paulo, acompanhando a Veraneio, que retornaria em cima de um caminhão – ela bem que merecia dados os serviços prestados. No mesmo barco, também com o mesmo destino, viajava a filha do dono da embarcação. Pelo menos era o que eu pensava. Os embarcados, pessoas de ambos os sexos, alguns com crianças, distribuíam-se pelo meio da embarcação a seu bel prazer. A maioria, mal embarcava, já ia logo ajeitando um lugar para armar sua rede. Estranhei tudo aquilo. Mas só no começo da noite, fui tomar ciência do porquê daquela afobação toda. Quem conseguiu um armador ou improvisou para armar sua rede dormiu sossegado, ao passo que os outros tiveram de dormir no chão. O trânsito pela barcaça, de noite, era praticamente impedido, devido à quantidade de gente espalhada pelo chão, dormindo. Uma coisa me deixou muito admirado: o respeito que prevalecia na convivência de homens e mulheres, irmanados no propósito daquela viagem, que, diga-se de passagem, não era nada fácil de agüentar, por razões lógicas, próprias de todo ser humano. Imagine-se em cima de uma barcaça de mais ou menos 15 metros de comprimento por oito metros de largura, aproximadamente, com mais ou menos 80 passageiros, levando-se em conta serem todos estranhos. Muito difícil o convívio, durante cinco dias ininterruptos, nessas condições, sem ao menos enxergar as margens dos dois lados do rio, em razão da enorme distância de uma margem a outra. Para nos distrairmos um pouco, íamos até o comandante e timoneiro da embarcação, que, para variar, tinha isso e as histórias para nos contar, todas das diversas viagens feitas por aquele barco. Volta e meia, ele parava de conversar para poder dar mais atenção ao leme, que manejava com maestria. Essas paradas significavam que logo mais à frente havia uma enorme árvore sendo arrastada pela correnteza do Rio Madeira, no qual estávamos navegando.
Esse rio devia ser bem fundo, levando-se em consideração só enxergarmos o pião e as raízes das árvores que estavam sendo arrastadas. Uma vez ou outra, uma árvore deixava aparecerem os galhos. Isso tudo não era nada comparado ao perigo que a embarcação corria, tendo de se desviar também de uma infinidade de toras de mogno, cerejeira, cedro, etc., que rodavam pelo rio. Os madeireiros da região usavam indiscriminadamente esse recurso para o transporte das toras de madeira. Quanto ao risco que os barcos corriam, era um problema que passava despercebido pelos “preocupados” madeireiros, ávidos por faturar, doesse a quem doesse. Durante o dia, navegávamos com o perigo iminente batendo à nossa porta, mas, pelo fato de ser de dia, não atinávamos tanto para o perigo de virar nossa embarcação, porque era fácil de enxergar aquelas enormes toras de árvores, dando-nos tempo de desviar. Para tanto, contávamos com a destreza de nosso timoneiro, no qual já havíamos aprendido a confiar. Quando anoitecia, nossa preocupação era redobrada, porque, dependendo de haver luar, a atenção do comandante não podia de forma alguma ser desviada do rio. Um mínimo de descuido seria fatal. Devido à profundidade do rio, algumas vezes, as árvores – que, na maioria das vezes, eram arrastadas com a copa para baixo e as raízes na parte de cima, tal qual tentáculos de um polvo gigante – afundavam e voltavam à tona, como num  movimento de ioiô, provocando em sua descida um redemoinho enorme. Dependendo da proximidade, uma embarcação poderia sucumbir naquele verdadeiro sumidouro. Em vista disso, nossa atenção ficou totalmente voltada para o rio, imbuídos da intenção de colaborar com o timoneiro, que não demonstrava o mínimo sinal de preocupação. O jeito de ele olhar para as águas do rio, por si só, trazia uma confiança confortante. Para embaçar mais nossa situação de marinheiro de primeira viagem, estávamos em uma noite sem luar.
Era uma escuridão total. Dentro da embarcação, havia uma iluminação tão fraca, que um ou outro passageiro mantinha ligado um lampião para poder enxergar o mínimo necessário. Transitar no meio daquelas redes espalhadas chegava a ser assustador, pelo barulho quase ensurdecedor do ronco coletivo ecoando pelo convés. Como não estávamos com sono, o timoneiro, não querendo ser indelicado conosco, mas na certa querendo se ver livre de nós, disse-nos que, se quiséssemos, poderíamos descer ao porão da embarcação, à sala de máquinas, onde ficavam os motores. Ali havia uma abertura estratégica, própria para pescar com o barco em movimento. Sempre fui amante da pescaria, adorei a idéia e, juntamente com o secretário do comendador, que a essa altura do campeonato devia estar ferrado no terceiro sono dentro de sua cabine, desci para o porão.  O que tinha de gente dormindo em rede também lá embaixo não era brincadeira. Mas, como havia dois indivíduos jogando linhadas, juntamo-nos a eles. Toca pescar e contar lorotas. Um deles contou que, certa vez, pescando ali embaixo, fisgou um peixe tão grande, mas tão grande, que somente a fotografia do peixe pesou mais de 30 quilos. O segundo pescador não deixou por menos. Contou que, numa dessas viagens, deixou cair sua lanterna acesa dentro do rio. Após cinco dias, retornou sua viagem e, ao passar pelo mesmo lugar do rio, encontrou a lanterna, que ainda estava acesa. O primeiro pescador, não acreditando, já foi dizendo que não acreditava que a lanterna ainda continuava acesa depois de tanto tempo. Nisso, o segundo retrucou ao primeiro, dizendo que se ele diminuísse o tamanho e o peso do peixe que disse haver pescado, apagaria a lanterna.
Não demorou muito e nós já havíamos pescado até que uns bons peixinhos. O que mais pescávamos, conforme nos informou um dos colegas de pescaria, era piranha. Estranhei um pouco porque, pelo que eu conhecia daquele peixe, era um pouco mais claro e arredondado, muito diferente desses que estávamos pescando, que eram compridos e escuros, assemelhando-se mais a traíras, em todos os aspectos. Um dos companheiros deu uma ligeira espetada, com um canivete, num dos animais para me mostrar à diferença. Mal ele acabou de furar o peixe, chegou quase a espirrar sangue. Tendo em vista a demonstração, não questionei mais nada. E tome conversa fiada. Um dos pescadores, o mais falador, começou a dar uma urinada na água do rio e ficava interrompendo seguidamente seu jato de urina, enforcando o pênis e o soltando repetidamente. Sem ninguém perguntar nada, ele começou a dizer que estava fazendo aquilo para impedir que um peixinho muito pequenino, existente no Rio Madeira e Rio Amazonas, pudessem subir pelo jato da urina e entrar no seu membro, trazendo-lhe complicações das mais desastrosas para sua saúde. Procurei não polemizar, por se tratar de ser conversa de pescador, cuja credibilidade sempre está em xeque. Mas, como eu tinha também, volta e meia, de usar o mesmo recurso, não deixei de, sutilmente, perguntar para mais alguns passageiros se havia algum cunho de verdade naquilo tudo. A própria filha do comandante da embarcação me assegurou que aquela história era verdadeira. Afirmou também que muitas mulheres daquela região, quando se banhavam naqueles rios, nunca faziam pipi na água, porque fatalmente o tal peixinho adentrava seus órgãos genitais, pelo jato da urina, trazendo doenças que os médicos não conseguiam curar. Em outras palavras, era morte na certa. Bichinho danado!
Enquanto conversava comigo, ela lixava suas unhas com uma lixa esquisita, de cor acinzentada bem escura, em formato de uma colher grande, dessas que usamos para mexer comida na panela, três vezes maior que uma colher comum de tomar sopa. Curioso que sou, perguntei onde ela havia comprado e de que era feita aquela lixa. Pirarucu, respondeu ela. Mais encabulado ainda eu fiquei e retornei a fazer a mesma pergunta. Pirarucu, ela tornou a responder. Eu olhei bem para ela com olhar de indignação, disposto a não mais perguntar nada. Notando meu silêncio, ela me disse: “Você não conhece pirarucu?” Eu respondi que, se eu conhecesse, não estaria perguntando para ela. Percebendo que eu realmente estava dizendo a verdade, resolveu, enfim, explicar-me com mais detalhes. “Pirarucu é um peixe aqui da região do Amazonas, de um tamanho fora do normal. Uma escama dele é isso aqui com que estou lixando minhas unhas.” Confesso que fiquei matutando comigo mesmo quem era mais mentiroso: o pescador ou a filha do comandante. Para não perder a amizade da amiga de viagem, fingi que acreditei naquela história doida da escama de peixe que serve para lixar unhas e disfarcei, olhando para o meio do rio Amazonas, com aquela imensidão de águas a perder de vista por todos os lados a que se olhasse. Nesse instante, espantei-me com um enorme peixe de cor meio avermelhada, que estava seguindo nossa embarcação. Perguntei se não seria aquele o peixe que ela disse ter a escama tamanho família. Ela me olhou com ar de quem não gostou muito do jeito da pergunta e respondeu secamente que muito se admirava que eu não reconhecesse um boto cor-de-rosa. Como eu não conhecia mesmo aquele peixe, e percebendo que havia dado mancada, procurei me justificar, pedindo-lhe que me perdoasse se de alguma forma eu a tivesse ofendido. Frisei que se o fiz não foi intencionalmente, mas por desconhecer a região e sua fauna. Imediatamente, ela mudou a expressão de carranca de seu rosto e esboçou um sorriso, dizendo: “Já que é assim, considere-se perdoado. Como prova de que eu reconheço seu desconhecimento, digo-lhe mais quanto a esse peixe. Existem muitas histórias populares sobre o boto cor-de-rosa relacionadas ao encantamento que ele exerce sobre as moças que circundam as margens do rio Amazonas. Se tivesse de contar todas, passaríamos a noite inteira e não conseguiríamos narrar nem metade. Os pais de família em geral, que têm filhas na faixa de 13 a 21 anos, quando sabem que haverá luar e o boto cor-de-rosa estará rondando por essas paragens, prendem as meninas dentro de casa com medo de que suas filhas sejam encantadas por ele.”
Nesse instante, eu a interrompi, admirado: “Você está brincando, não está?” “Nunca falei tão sério em toda minha vida. Como eu havia dito, existem casos relacionados a esse peixe com as moças virgens de nossa região que são de arrepiar os cabelos de qualquer pai de família. Os mais antigos contam que, tempos atrás, havia um casal de noivos, já com data marcada para o casamento. Dois meses antes do enlace, a noiva, acostumada a, em noites de muito calor, aproveitar a claridade do luar para tomar banho no Rio Amazonas, assim o fez. Enquanto se banhava, viu, nadando a poucos metros de distância dela, um boto cor-de-rosa que era a coisa mais linda de se ver. Admirada com a beleza exuberante e as piruetas que ele fazia para ela, passou a pedir para que ele fizesse mais piruetas. O boto a obedeceu e atendeu seu pedido imediatamente. A moça quase não acreditava no que estava acontecendo. Tudo que ela pedia, o boto fazia. Foi então que ela passou a conversar com o peixe como se gente ele fosse, chegando a ponto de imaginar que estivesse conversando com seu próprio noivo. O boto, então, pegou-a pelas mãos e, quando ela menos esperava, estavam os dois passeando sobre as águas do Rio Amazonas sem afundar. Foi então que ela se virou para ele e perguntou se aquilo estava acontecendo realmente ou era um sonho, do qual ela acordaria a qualquer momento. Quando se virou para o outro lado e retornou seu olhar para o boto, não era mais ele quem segurava sua mão. Ao lado dela, estava nada mais nada menos que seu próprio noivo, todo paramentado, como se estivesse com ela dentro da igreja para dar início ao seu casamento. Nesse instante, ela disse que não era possível estar acontecendo tudo aquilo, sem contar que ela nem com seu vestido de noiva estava, como poderia estar se casando? Foi aí que ela, não sabe como nem por que, viu-se jogando seu buquê de noiva para trás, vestida com seu vestido de noiva! Depois, ela não soube precisar quanto tempo ficou sem ver nada. Quando deu por si, estava deitada em uma pequena praia – a mesma na qual costumava se banhar – totalmente nua. Por incrível que possa parecer, clareava o dia. Voltou para sua casa. Como era filha de pais muito sistemáticos, não teve coragem de dizer o que se passou realmente naquela noite de lua cheia, pois certamente seus pais não acreditariam. Para evitar problemas maiores, mentiu que foi dormir na casa de uma colega sua de nome Veridiana. Somente recebeu algumas repreensões de seus pais e foi obrigada a fazer uma promessa de que nunca mais repetiria isso sem antes avisá-los. Assim, o tempo seguia seu curso, bem como sua vidinha, mas nunca mais como anteriormente. Com exceção de sua amiga Veridiana, ela não encontrou coragem para contar para mais ninguém o episódio. Aquele acontecimento realmente acabou mudando o ânimo da moça, antes tão alegre e extrovertida, o que foi notado por todos que tinham alguma convivência com ela. Dois meses se passaram e eis que é chegada a semana decisiva, na qual se realizaria seu tão sonhado casamento. O noivo e a noiva, imbuídos de um só pensamento, o de agilizar os preparativos para a realização do matrimônio, convivendo praticamente juntos diuturnamente, começaram a se inteirar dos problemas comuns do dia-a-dia de cada um. A moça, tendo mais liberdade de contar para o noivo coisas que nem para sua mãe tinha coragem de dizer, começou inclusive a se queixar para seu noivo de enjôos, dizendo que na primeira oportunidade iria a um médico para ver se ele descobria o que lhe causava aquilo. Nisso, vira-se o noivo e lhe diz, com ar de deboche: “Ah, já sei: você está esperando bebê, só que eu não sou o pai! Ah, já sei, você está esperando um filho do boto cor-de-rosa.” E deu uma boa gargalhada, ao que ela retrucou: “Não brinque com essas coisas”. O rapaz então lhe perguntou se ela já não tinha ouvido as histórias que o povo contava das virgens que ficaram grávidas do boto cor-de-rosa. Ela, nervosa, pediu-lhe que não fizesse esse tipo de brincadeira, porque ela tinha uma passagem consigo que nem para sua mãe tivera coragem de contar. O noivo lhe disse: “Agora, sou eu que lhe peço para parar de brincadeira e dizer o que você está escondendo de mim”. Ela respondeu: “Não estou escondendo nada. Apenas aconteceu uma coisa estranha comigo, que eu não contei pra ninguém, porque imaginei que iriam me chamar de louca ou de mentirosa. Mas, como nós estamos para nos casar ainda esta semana? eu acho que posso confiar em você, que vai ser meu marido”. E ela então, começa a lhe contar a história. Ele retruca: “Você acha que eu vou acreditar nessa sua patacoada? Escute aqui – pegando-a pelo braço –, vamos ao médico ver esse enjôo seu agora”.  “Agora?”, pergunta ela. E ele: “Exatamente. Agora eu quero saber qual a verdadeira razão desse seu enjôo.”
A filha do comandante continuou seu relato: “Após os exames, o médico lhes disse que ainda precisaria de uma análise da urina da noiva para dar seu verdadeiro diagnóstico. O casal de noivos quase não podia se tocar: que já saía uma discussão acalorada com xingamentos de ambas as partes. Pronto o exame de urina pedido pelo médico, lá foram os dois, emburrados, levá-lo para o diagnóstico. Ao simples passar de olhos pelo resultado, o médico virou-se para os dois e, com um sorriso, disse-lhes: Parabéns, a senhora vai ser mamãe e o senhor vai ser papai. Nesse exato momento, a noiva olhou para seu noivo indignada, balançando a cabeça como que querendo dizer que não acreditava. O noivo, dando uns passos para trás, pegou de um revólver e puxou o gatilho em direção de sua noiva, uma, duas e três vezes, mas as balas não saíram. Nisso, o médico tentou tirar o revólver da mão do noivo, que jogou o objeto em cima dela e saiu correndo feito um louco, gritando palavrões, não dando oportunidade ao médico de alcançá-lo. O médico, desistindo, retornou. Quando entrou na sala de espera, ouviu um tiro ecoar dentro do consultório. Imediatamente, abriu a porta e se deparou com a noiva estirada no chão, ela havia tirado sua própria vida, com o revólver que por três vezes havia falhado. Esse fato foi verídico. Quem duvidar, que pergunte a dona Veridiana – uma senhora de seus oitenta e poucos anos – que foi a única pessoa a ouvir essa história da própria noiva. Se você conversar com a maior parte dos passageiros desta embarcação, tenho certeza de que muitas histórias do boto cor-de-rosa hão de ser contadas. Agora, quanto a acreditar ou não, fica a critério de quem ouvir. Alguns dizem que nada mais são do que mentiras deslavadas, criadas por moças defloradas, que aproveitando-se da ingenuidade de seus pais, na maioria habituados a ouvir isso e outras casos do boto cor-de-rosa, sem mais nem menos inventam uma história mirabolante para justificar o fato de terem perdido a virgindade. Como conseqüência, acaba sobrando para os ingênuos pais, terem que criar um neto bastardo, e, ainda por cima, obrigados a esconder de todos a origem da criança, com receio de que acabe virando chacota na boca do povo.
Assim, a filha do comandante encerrou sua história, perguntando-me o que eu achava de tudo aquilo. Olhei para o Rio Amazonas em volta de nossa embarcação e contei três botos cor-de-rosa acompanhando nossa embarcação. Olhei de novo para a filha do comandante, que, ansiosa, aguardava minha definição, como se aquilo fosse a coisa mais importante do mundo. Naquele instante, antes de responder o que eu pensava, matutei com meus botões. Se eu disser que não acredito nessa história, sem sombra de dúvida, vou entrar em choque de opinião com ela. Pelo ânimo com que me contou o caso – doido – eu não tinha a menor dúvida de que, das duas uma: ou ela estava me achando com cara de bobo ou tentando conseguir, por meio de uma resposta positiva, mais um adepto do culto a essa verdadeira patacoada, envolvendo o inofensivo animalzinho como o vilão dessas histórias tolas criadas pelas jovens dessas paragens. È evidente que, sem coragem de enfrentar as conseqüências de um ato mal-pensado, elas inventem histórias mirabolantes. Pelo fato de fluir falsas justificativas com a maior naturalidade em suas cabeças, demonstra claramente terem discernimento lógico de sobra para antever o que pode acontecer. Salutar seria portanto, evitar a exposição de seus pais ao ridículo, e não menosprezar a   capacidade humana, pré-julgando quem as ouve. Atribuir culpa a um dos poucos seres aquáticos conhecidos e reconhecidos por feitos sui generis, tais como salvar vidas de pessoas que estavam se afogando, por exemplo, é demais pra minha cabeça. Enaltecê-lo, sim. Nunca: inventar histórias que possam ir contra a imagem desse animalzinho tão querido e admirado pelas crianças de todas as idades.
Dito isso com meus botões, vi-me em palpos de aranha para responder o óbvio. Mas, como eu não sou chegado a enganar quem quer que seja, procurei dissimular minha resposta – fiquei em cima do muro – para conservar nossa amizade. Afinal de contas, iríamos viajar mais três dias na mesma embarcação. Em vista disso, em vez de responder, disse-lhe que eu gostaria de saber primeiramente qual era a opinião dela. Imediatamente, respondeu-me que ela não poderia ser diferente de quase toda população da região, que acredita e respeita os ensinamentos advindos dos mais idosos, que foram os que mais vivenciaram as diversas histórias relacionadas ao boto cor-de-rosa. “Como se não bastasse”, ela frisou, “tem-se comentado que, em noites de lua cheia, ainda uma vez ou outra, uma moça mais afoita se atreve a banhar-se no rio e depois não sabe como encarar os seus familiares. Prova evidente de que, até hoje, o boto exerce seus poderes de sedução e encantamento sobre as jovens virgens. E tem mais”, continuou, “por mais que o povo tente esconder quem é o pai do filho de uma dessas virgens que sofreram o encantamento do peixe, quando a criança fica adulta, é reconhecida pela população, porque adquire dons que a diferenciam dos seres normais. Eu mesma já conheci uns quantos. A maioria possui poderes de antever a vida das pessoas. Como existem muitos curiosos em querer saber seu futuro, procuram um desses filhos do boto e lhe pagam algumas merrecas para satisfazer sua curiosidade. Se você acreditar, é só perguntar para alguma dessas pessoas embarcadas, e elas irão lhe dar o endereço de algum filho do boto, que poderá adivinhar seu futuro. Agora você me dá licença, que eu estou morrendo de sono e vou me recolher.”
Com a moça fechando a matraca, dando-me um tempo para lavar meus penicos – foi nisso que ela transformou meus pobres ouvidos, com tanta m. – honestamente eu me arrependi de ter dado tanta atenção àquele papo furado, sem pé nem cabeça, que desde o início eu havia pressentido que iria enfrentar, descascando um abacaxi tamanho família. Mas foi bem-feito pra mim. Quando criança, fazia cocô e xixi nas fraldas, dando trabalho para minha mãe, e agora eu estou pagando por essas maldades que praticava quando bebê. Que sirva de exemplo a todas as criancinhas mal-informadas a respeito das conseqüências de seus atos em sua vida futura. Analisando realmente o que foi contado, cheguei a ficar um bom tempo calado, após a moça dizer que iria dormir. Realmente fiquei cansado de ouvir aquela moça contar tanta besteira junta, sem ao menos ficar vermelha. O pior de tudo é que ela contava tão devagar, que eu praticamente já sabia o que iria falar, mas tinha de ter paciência e esperá-la concluir. Quando me disse que se recolheria, imediatamente, desejei-lhe boa noite, receoso de que continuasse matraqueando, e permaneci um bom tempo quieto, aguardando que entrasse em seu camarote, o mesmo do comandante. No entanto, tal não aconteceu. Para meu espanto, a moça foi se deitar em uma das redes que estavam espalhadas pelo meio da embarcação.
Achei a atitude um tanto sem cabimento e, como eu não estava com sono, dirigi-me até o comandante para jogar um pouco de conversa fora. Após as saudações costumeiras de quem está se vendo a todo instante, eu displicentemente perguntei quantas camas o camarote dele tinha. “Duas”, respondeu-me. “Por que você pergunta?” Respondi: Por nada não, apenas por curiosidade. Posso fazer mais uma pergunta ao senhor? “Sim.” Por que sua filha prefere dormir no meio do barco e não em seu camarote? O comandante retrucou: “Antes de responder, gostaria de saber onde você conheceu minha filha.” Aqui nesta embarcação! Aliás, ela acabou de ir se deitar numa daquelas redes,- respondi. “Você está brincando comigo?”, perguntou o timoneiro. Eu lhe disse que de forma alguma. Estava conversando com ela agora há pouco, inclusive, ouvindo-a contar uma dessas histórias do boto cor-de-rosa. Quando terminou, despediu-se de mim e foi dormir em uma rede. Por não entender porque ela trocou seu camarote com todo conforto por uma rede no meio de todo aquele povo, eu, mesmo sabendo que pudesse receber uma daquelas respostas tapa boca – como, por exemplo, o que você tem a ver com isso? – atrevi-me a vir perguntar ao senhor. O comandante, calmo, respondeu: “Escute, meu filho. Fique descansado que você não vai me ouvir dizer tapa boca nenhum. Quanto a dizer que estava conversando com minha filha, você deve estar enganado, porque ela nunca viajou nesta embarcação.” Retruquei: O senhor está me dizendo que sua filha não está viajando nesta embarcação? Ele respondeu: “Foi exatamente isso que acabei de lhe dizer. Agora, você me deixou curioso. Quem disse para você que minha filha está aqui?” Respondi: O senhor vai me desculpar. Ninguém disse nada, não, senhor. Eu que meti meus pés pelas mãos, imaginando que a moça fosse sua filha. Ela estava lixando e pintando as unhas sentada na frente de seu camarote. Vai daí, minha fértil imaginação, conjecturou tratar-se de sua filha. O comandante: “Não precisa se desculpar, meu filho. Essas coisas acontecem. Se todos os males fossem dessa natureza, seria uma maravilha. O pior, mesmo, é você ficar sabendo de coisas que acontecem embaixo de seu nariz e ver que ninguém toma nenhuma providência no sentido de evitar”, continuou:
“              Eu vou lhe dizer uma coisa. Navego há muitos anos. Pelos meus cabelos brancos, você já pode imaginar. Sempre fazendo o trajeto de Porto Velho a Manaus e vice-versa. Nessas viagens, paramos em vários pontos para embarcar ou desembarcar passageiros, malas e cargas. Existem algumas aldeias de índios pelas quais somos obrigados a passar, por força do trajeto pelos rios Madeira, Amazonas, Solimões, Negro etc. Ao mesmo tempo em que nos inteiramos de algumas peculiaridades, dignas de comentário, às vezes, seria até melhor não ficarmos sabendo de certas coisas. Uma digna de ser comentada se relaciona à aldeia dos Bocas de Pau. Quem passar a uma distância razoável dessa aldeia avistará uma tábua pendurada em uma árvore, com os seguintes dizeres. 'Enquanto existir açaí pra colher, mata pra caçar e rio pra pescar, os Boca de Pau não vão falar.' Se existe esse aviso? nada mais justo que respeitar não é mesmo?” Concordei: Sim, o senhor está com toda razão. Mas está com um olhar de quem acha que algo não está correndo como devia correr!... Ele respondeu: “Pois é. Se os índios Boca de Pau, rudimentarmente, escreveram esse alerta, é lógico que alguém tentou forçá-los a falar, numa língua que não a deles. Não sei se é de seu conhecimento, mas é voz corrente que existe uma aldeia, sempre visitada de helicóptero por americanos, que ensinam sua língua para os índios e levam areia monazita e sabe-se lá que outros minerais. Isso não é de hoje que se comenta aqui na região, mas ninguém toma nenhuma providência. Certa vez, um jornalista do jornal de Manaus disse que iria fazer uma reportagem a respeito. Mas, como sempre acontece, só se ele fizer a reportagem hoje. Porque até ontem não vi nada. Se alguma autoridade quisesse tomar providência, bastaria procurar a aldeia na qual seus índios falassem o idioma norte-americano, e estaria identificado o problema. Ou será que estão catequizando nossos índios, ensinando-os a falar inglês só porque eles são bonitinhos?”, perguntou, com ironia. E continuou: “É por isso que eu disse para você, no começo, que há coisas das quais seria até melhor não saber.” indaguei-lhe, então: Por que o senhor não denuncia isso aos órgãos da imprensa? Ele foi direto: “Ninguém se interessa em mexer em caixa de marimbondos, meu filho. Eu já não lhe falei que um repórter me disse que iria fazer uma reportagem? Você acha que ele desistiu por quê? Meu filho, se quem tem uma metralhadora engatilhada, que é a imprensa nas mãos, deixa de usar, não sou eu que nem estilingue (bodoque) tenho que vou me aventurar por aí para servir de boi de piranha! A população inteira sabe desse fato. E garanto uma coisa: com certeza, está cansada de ver todo mundo se calar e não tomar nenhuma providência. Mas, como a esperança é a última que morre, tenho fé. Um dia,  acontecerá o milagre de um filho de Deus tomar a peito e resolver dar um basta a essa verdadeira vergonha nacional. Quanto a mim, estou me aposentando. Já dei minha contribuição para minha pátria, com toda certeza. Vou agora usufruir, com minha mulher, das delícias de uma chacrinha que tenho, com umas vaquinhas leiteiras, tirando leite e fazendo um pouco de queijo, pescando um peixinho no Rio Solimões, tomando um bom vinho e pedindo a Deus que o mundo acabe em barranco para que eu possa morrer encostado”, divertiu-se o comandante. Acompanhando-o na risada, eu lhe disse: O senhor devia fazer dupla com o Homem do Sapato Branco. Ele não entendeu e, ainda rindo, retrucou: “Que homem o quê? Repeti a frase e ele quis saber o motivo de eu ter dito aquilo. Respondi: Por quê? O senhor com o Homem do Sapato Branco dariam uma dupla imbatível. O senhor formularia os abusos e desmandos a céu aberto, e o Jacinto Figueira Júnior faria a reportagem, transmitindo-a, com certeza, em seu programa de TV denominado O Homem do Sapato Branco, líder de audiência da televisão, nos sábados à noite. Eu garanto uma coisa: ele iria pôr a boca no trombone em cima dessa cambada de folgados. Só para o senhor ter uma idéia, eu vou tentar descrever um dos programas levados ao ar há algum tempo.
Contei-lhe, então, um caso de quando Jacinto Figueira apresentou uma matéria relacionada à medicina. Ele avisou com antecedência o público, que o assunto causaria muita polêmica relacionada à cura de uma doença.. E disse mais: que iria mostrar uma reportagem que não interessaria nem um pouco a quem usa  a medicina só  com fins lucrativos, ludibriando a todos com promessas de curar determinada doença cuja cura não existe. Aí, o apresentador iniciou a explicar o caso “Não existir cura, não! Não existia, porque, neste instante, está aqui dentro dos estúdios da TV, aguardando para ser chamado, um moço que, comprovadamente, conseguiu descobrir a cura de uma doença, que até então tem servido de muletas para muitos médicos de mau caráter esfolarem os familiares do enfermo. Muita gente não gosta nem de pronunciar o nome dessa doença. Nós fizemos uma reportagem externa na casa desse moço. Entrevistamos mais de 100 pessoas curadas por ele, dessa enfermidade, comprovando que realmente ele descobriu o segredo da cura desse mal, com certeza. Mas antes de apresentá-lo, quero fazer um alerta: marquem bem o que eu vou dizer. Não se admirem se, após esta reportagem, não tivermos mais nenhuma notícia desse moço e seu remédio milagroso.”
Nesse momento, Jacinto chamou o moço e lhe pediu que dissesse qual a doença cuja cura havia descoberto. O moço, demonstrando humildade, disse ter descoberto um remédio que curava o câncer. Nesse momento, novamente, Jacinto tornou a dar o alerta anterior e apresentou várias pessoas que estavam com a doença e, com o remédio daquele moço, haviam se curado, inclusive dando seus testemunhos. Novamente, Jacinto, com a mão sobre o ombro do rapaz, disse para o telespectador. “Esse moço descobriu o remédio contra o câncer, como acabei de comprovar. O primeiro passo a ser dado após esta reportagem seria das autoridades responsáveis pela saúde de nosso povo, imediatamente nos telefonarem para investigar com mais profundidade a veracidade dos fatos expostos aqui em nosso programa, para que, quem sabe, aperfeiçoar esse remédio e talvez fabricá-lo em escala industrial. A finalidade seria uma só: providenciar para que esse remédio não caia no esquecimento. Por quê? Porque ele representa um fio de esperança nos corações de uma infinidade de pessoas que por uma infelicidade sofram desse que é o mal do século. Não é pedir muito, minha gente, não é verdade? Boa noite.” Terminei de contar o episódio e perguntei: O senhor não acha que seria o maior sucesso? O comandante olhou bem para mim e disse: “Meu filho, por que eu vou dar murro em ponta de faca? Só esse fato, contado por você, do que fez o Homem do Sapato Branco, com uma televisão nas mãos, é o suficiente para mostrar que a única coisa que fica em tudo isso que se tenta fazer em prol da humanidade,é deixar na lembrança de quem assiste – como deixou em você – a sensação de ter feito uma cobrança, que, infelizmente, cairá no esquecimento, fatalmente, como tantas outras, aumentando a descrença generalizada no seio de nosso povo. Portanto, é de bom alvitre carregar nossa cruz com elegância.”
Sem sombra de dúvida, tenho que dar a mão à palmatória. O que o comandante disse é a dura realidade que temos de encarar. Quanto ao Homem do Sapato Branco, suas palavras quando da apresentação do descobridor do remédio contra o câncer se cumpriram tal qual uma profecia. Nunca mais ouvi falar daquele moço, muito menos de seu remédio milagroso, exibido e comprovado como sendo eficaz. Sinceramente, penso que deve haver alguém se dando muito bem financeiramente com a desgraça alheia, não tendo a mínima consideração talvez até com sua própria mãe. Essa doença não escolhe ninguém. Portanto, se a mãe dessa pessoa ou dessas pessoas vier a sofrer desse terrível mal, cuidará dela com o tratamento convencional. Em hipótese alguma irá fazer uso do remédio eficaz tanto alardeado no programa de Jacinto, porque seria antiético profissionalmente e, ao final, seria considerado pelos seus colegas de profissão como que um curandeiro sem eira nem beira. E isso fala muito mais alto do que a saúde de sua progenitora. Caso contrário, os médicos e autoridades competentes que assistiram a esse programa – que acredito serem muitos – teriam tomado iniciativa no sentido de verificar, com mais critério, esse fato, que teve repercussão nacional, analisando-o de público, como de público foi mostrado. Comprovar sua eficácia ou não. Deixar nossos telespectadores cientes da existência desse remédio contra o câncer, exibido no programa “O Homem do Sapato Branco”, seria o mínimo que nossas autoridades constituídas e a classe médica em geral teriam de fazer, em respeito ao nosso povo tão sofrido e enganado. Creio que deve haver arquivos a respeito que dirão muito mais do que minhas palavras. É mister deixar bem claro que não se está aqui generalizando a classe médica, mas meia dúzia de gatos pingados que, infelizmente, conseguiram concluir uma faculdade de medicina – mal e parcamente – havidos de angariar fortuna de qualquer maneira, insensíveis à dor e à pobreza de seus semelhantes. Doer-se do fato acima exposto é sinal de que a carapuça serviu em alguém.

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